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A importância da cooperação global entre juízas.

A importância da cooperação global entre juízas.
By Mirella Cezar Freitas
Posted: 2024-02-16T17:11:00Z

TEMA: A IMPORTÂNCIA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DAS MULHERES JUÍZAS PARA CONCRETIZAÇÃO DA PARIDADE DE GÊNERO NOS ESPAÇOS DE PODER


PAINELISTA: MIRELLA CEZAR

DATA: 5 DE FEVEREIRO DE 2024

HORA: 12H, VIA ZOOM

 

O presente texto foi escrito para manifestação em mesa redonda destinada a mulheres juízas falantes de língua portuguesa, promovida pela Associação Internacional de Mulheres Juízas- IAWJ em parceria com o grupo Maria Firmina, composto por magistradas ativas e inativas do Tribunal de Justiça do Maranhão, .


O referido grupo foi criado no mês de novembro do ano de 2022 e tem a finalidade de concretizar a igualdade de gênero no âmbito do Poder Judiciário maranhense, incentivando a plena participação das mulheres na vida institucional durante toda a carreira (desde seu ingresso até a aposentadoria, inclusive), bem como desenvolvendo ações que contribuam para a justa representatividade feminina em cargos de gestão, liderança, tomada de decisão e de poder nos órgãos da Instituição, Escolas Superiores e associações de classe.


As suas atividades possuem um estreito alinhamento com os objetivos de desenvolvimento sustentável n.º 05 (“Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.”) e n.º 16 (“Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.”) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas.


A mensagem principal da minha participação no evento é conscientizar as presentes da magnitude de formar uma rede global de mulheres juízas e como essa união de vozes pode fortalecer, não apenas o movimento pela paridade de gênero no âmbito do Poder Judiciário, mas também em todos os espaços de poder, além de contribuir de forma significativa para o combate a toda e qualquer forma de violência contra mulheres e meninas.


Nos números trazidos pela Desembargadora Sônia, painelista que me antecedeu, restou clarividente que a minúscula participação feminina nos mais altos cargos de Cortes e Tribunais não decorre nem de ausência de mérito, tampouco é questão de tempo para ser superada.


Em 132 anos de história, o Supremo Tribunal Federal, Corte máxima brasileira, teve em sua composição, 171 ministros. Entre eles, apenas três mulheres - e nenhuma delas negra . Hoje, como já dito anteriormente, conta com uma única ministra.


Somente para corroborar os dados já mencionados , no Brasil as mulheres representam 51% da população, nos cursos de Direito (cujo ingresso dá-se por aprovação em exame, ou seja, por mérito), as mulheres representam entre 35 e 40% dos alunos. Tal percentual se repete quando se constata os números de mulheres na Advocacia e nas principais carreiras jurídicas, inclusive a Magistratura.


No que concerne às mais altas posições nas carreiras, o percentual de mulheres cai drasticamente, materializando o conceito de “DESIGUALDADE VERTICAL”, muito bem desenvolvido pela cientista política brasileira, Gabriela Lotta.


Essa desigualdade vertical pode ser percebida em todos os espaços de poder no Brasil e posso citar como um exemplo emblemático a carreira diplomática que conta com 213 postos, dos quais apenas 34 são ocupados por mulheres, ressaltando que a primeira mulher diplomata no Brasil foi Maria José de Castro Rebello, aprovada no ano de 1918 em primeiro lugar no concurso. Contudo, a sua participação no certame foi contestada e autorizada posteriormente pelo então chanceler Nilo Peçanha que escreveu:


“Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, onde tantos atributos de discrição e capacidade são exigidos (…) Melhor seria, certamente, para seu prestígio, que continuassem à direção do lar, tais são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar a sua aspiração, desde que disso careçam e fiquem provadas suas aptidões”.


No funcionalismo público de modo geral, as mulheres representam 61% dos servidores públicos brasileiros, porém, apenas 39% dos cargos de direção e poder são por elas ocupados, haja vista que tais cargos costumam ser cargos de confiança, por indicação política, onde prevalece a rede masculina de “homens indicam homens que indicam homens….”.


No campo da política, nas últimas eleições municipais, das 5.560 cidades brasileiras, apenas 677 são comandadas por mulheres e em 800 municípios, a Câmara de Vereadores é formada INTEGRALMENTE por vereadores homens.


Todos esses exemplos, só reforçam a posição do Brasil no ranking internacional, onde foi analisada a representatividade feminina em 190 países e o Brasil ocupa a posição 140, confirmando a existência de critérios exclusivos e discriminatórios para ascensão das mulheres aos espaços de poder.


Contudo, além da discriminação vertical já tratada, tem-se o fenômeno muito concreto da DESIGUALDADE HORIZONTAL que é consequência do papel social atribuído à mulher numa cultura patriarcal.


No Brasil, as remunerações no serviço público são definidas a partir das carreiras, podendo variar o salário inicial entre U$ 405,00 e U$ 4.046,00, convertendo da nossa moeda para dólares americanos.

Apesar da aparente padronização, as mulheres costumam receber em torno de 68% do valor que ganha um homem.


O motivo por trás dessa diferença revela uma espécie de distribuição social das profissões e uma enorme força dos esteriótipos de gênero, pois às mulheres cabem as carreiras ligadas ao cuidado (professoras e enfermeiras, por exemplo). Tais carreiras, não por coincidência, são as de menor remuneração e valorização.


Aos homens, destinam-se as carreiras ditas de elite, como por exemplo, as fiscais, jurídicas, tecnológicas, cujos salários iniciais já são exponencialmente superiores aos salários finais das carreiras de cuidado.


Os números apresentados, por si só já são estarrecedores, contudo, pioram consideravelmente se analisarmos os mesmos dados sob perspectiva interseccional, relacionando aspectos de raça e classe, além do gênero.


Porém, trazendo novamente a atenção à ausência de mulheres nos cargos de poder dentro do Poder Judiciário e materializando o quão prejudicial à sociedade pode ser uma justiça pouco plural e não diversa é a questão do encarceramento feminino.


No Brasil hoje cerca de 42.000 (quarenta e duas mil) mulheres estão privadas de liberdade. Este número é consideravelmente menor que a população carcerária masculina que já supera 800.000 (oitocentos mil).


Apesar de um número mais reduzido que de homens, a quantidade de mulheres encarceradas quadruplicou nos últimos 20 anos, porém, continuou sendo imperceptível aos olhos do sistema de justiça e da sociedade.


O motivo para tal invisibilidade reside no fato de que as mulheres não ocupam posições de definição de políticas públicas de um modo geral. Suas funções estão geralmente relacionadas à execução e, na melhor das hipóteses, assessoramento daqueles que definem políticas públicas e alocam recursos.


No caso específico, o sistema penitenciário sempre foi pensado por homens e para homens, daí a dificuldade em compreender as peculiaridades da mulher privada de liberdade que leva muitas pessoas a repetir que lidar com a mulher encarcerada é mais complicado do que com o homem encarcerado.


Ora, não se trata de ser complicado ou difícil, apenas exige um olhar diferenciado para as necessidades, inclusive as mais básicas como a de incluir produtos como absorvente e condicionador nos itens de higiene destinados às unidades de custódia femininas.


Apenas a título ilustrativo, atuando há quase 10 anos na Execução Penal e tendo 2 presídios sob minha jurisdição, jamais vi faltar “lâmina de barbear” nas Unidades, porém quando questionei o porquê as mulheres não poderiam usar ou ter batons em suas celas, a resposta que me foi dada é que era proibido qualquer tipo de maquiagem por razões de segurança.


Será um batom mais perigoso em potencial dentro de uma cela do que uma lâmina de barbear? Óbvio que não, porém essa possibilidade jamais seria ventilada num sistema pensado por homens e para homens.


A mulher encarcerada, em muitos países, além de privada de sua liberdade, é desprovida de sua feminilidade, quando não de sua dignidade e humanidade também.


Assim, o movimento pela paridade de gênero no Poder Judiciário vai muito além de questões como representatividade feminina ou estabelecimento de políticas internas para o acesso de mais magistradas aos cargos de decisão.


Essa diversidade implica em uma troca de lentes, análises sob perspectivas diversas, consideração de vieses até então desconhecidos ou ignorados e julgamentos mais plurais.


Foi somente no período em que uma Ministra (Min Carmem Lúcia) presidiu a Suprema Corte brasileira que foram efetivadas políticas de aceleração de julgamento de processos que envolviam casos de violência doméstica, regulamentação de atenção a gestantes e lactantes em presídios, bem como editada a primeira medida de incentivo à participação feminina em cargos de comando no Judiciário, entre outras ações.


Posto isso, por sua missão constitucional, cabe ao Poder Judiciário adotar medidas concretas para efetivar a paridade de gênero, fomentando-a no interior da estrutura organizacional e em todos os ambientes.


Nesse sentido, certa de que a problemática é mundial, de nada adiantaria lutar pela paridade somente no âmbito do Poder Judiciário de um Estado dentro do Brasil.


É necessária a compreensão de que a equidade de gênero tem que ser alcançada em todos os ambientes e, principalmente, nos espaços de poder, pois até aqui, o silêncio e a divisão sempre nos enfraqueceram.


A partir dessa compreensão e da iniciativa da Desa Sonia, surgiu o grupo MARIA FIRMINA que entre suas ações podemos citar:


a) realização e participação em eventos que tratem da temática da paridade de gênero;

b) mobilização interna e externa visando à sensibilização e conscientização da sociedade e do meio acadêmico acerca dos benefícios de uma justiça mais plural;

c) desenvolvimento de campanhas de divulgação de práticas exitosas na temática;

d) presença maciça de mulheres juízas nos Plenários das Cortes sempre que uma magistrada estiver concorrendo à promoção ou estiver sendo discutida a temática;

e) fiscalizar a instituição de ações de combate ao assédio dentro das instituições;

f) incentivo à capacitação das magistradas com perfil de liderança e,

g) principalmente, elaboração e monitoramento da efetivação de ações afirmativas que concretizem num determinado espaço de tempo a paridade nas Cortes e Tribunais.

 

Durante a 2.ª Edição do evento “Mulheres na Justiça”, a Ministra da Suprema Corte Cármen Lúcia ratificou a necessidade de avançarmos de ações afirmativas para ações transformativas, humanizantes e dignificantes para todas as mulheres. Disse ela: “O tempo, agora, é de transformação”.

Na mesma linha, a Conselheira Salise Sanchotene, relatora da resolução mencionada, corroborou que a medida aprovada representou não apenas uma ação afirmativa, mas uma ação de uma justiça trasnformativa.


Posto isso, tamanha foi a nossa alegria em conhecer mais de perto da IAWJ, seus objetivos e os mais de 30 anos de atividades voltadas para a equidade de gênero em todo mundo.


Nesse sentido, queremos unir nossas vozes, anseios e perspectivas com todas as mulheres juízas do Brasil e do mundo a fim de compartilhar experiências, trocar idéias e conhecer as medidas concretas aplicadas e que contribuam para a equidade de gênero em todas as instancias e Cortes do Poder Judiciário, em âmbito nacional e internacional.


O Presidente Lula em seu discurso na abertura da Assembléia das Nações Unidades de 2023 disse que:

“...Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução....”.

Portanto, não se pode aceitar que as Cortes e instituições brasileiras sejam formadas apenas por homens, brancos, conhecedores de seus privilégios.

Ressaltou a Min Rosa Weber, enquanto presidente do STF que:

A ausência de mulheres nos postos de definição impacta a fiel observância do que se denomina prioridades comunitárias, produção de conhecimento em pautas inclusivas e as próprias definições das políticas de Estado”.


Posto isso, resta claro que cansamos de ser representadas.

Queremos e merecemos estar presentes , ocupar os espaços, ser ouvidas e ter nossas perspectivas consideradas, não se tratando de luta entre mulheres e homens , mas de uma verdadeira coalização entre os gêneros visando um avanço civilizatório em prol do fortalecimento de nossa democracia e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária.


E para confirmar não se tratar de guerra dos sexos, encerro minha fala com as palavras do diplomata, nascido em Gana, ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2001, Kofi Annan quando disse que:

“A igualdade de gênero é mais do que um objetivo em si mesmo.

É uma condição prévia para enfrentar o desafio de reduzir a pobreza, promover o desenvolvimento sustentável e construir um bom governo em qualquer país do mundo”.

MUITO OBRIGADA!